domingo, 14 de fevereiro de 2010

ZIZI POSSI (maio/2008)

Você sempre pensou em seguir uma carreira dentro da música? Eu sempre estudei piano, desde que eu me conheço por gente. Nunca pensei em música como um fator profissionalizante porque quando eu era pequena, via o meu pai chegar cansado do trabalho, e todas as vezes que um adulto se referia ao trabalho havia uma sisudez, uma coisa pesada e difícil no meio, enquanto que música pra mim sempre foi uma coisa tão maravilhosa, tão importante, tão alegre... Então, na minha cabeça de criança não passava a idéia de que música fosse trabalho. No meu pensamento infantil, trabalho tinha que ser “difícil”, ”pesado”.

O que a levou a se envolver com música profissionalmente? A própria música, a própria vida. Tudo o que eu tentei fazer que não tinha nada a ver com música, dava errado! Quando eu estava fazendo algo que não tinha nada a ver com música, rapidamente, vinha uma proposta para fazer algo de música, que era bacana, que me remunerava. Acho que eu poderia chamar isso de destino!

Você tem um estilo muito versátil. O seu repertório passa por diferentes tipos de música, e tudo fica bom na sua voz. Qual é a importância dessa variação de repertório na sua carreira? Para uma artista como eu, variar o repertório é algo importantíssimo, porque o repertório para mim significa a própria imensidão da vida. Eu sou uma intérprete, então as canções que escolho cantar, eu transformo em uma coisa pessoal, porque na verdade estou me alimentando da criação daquele autor, e estou enxergando nessa música direções na vida. A música é como um oráculo que vai me modificando como pessoa. Pra mim, a variedade de ritmos e estilos é uma coisa tão real e tão importante quanto é importante essa variedade de relacionamentos e de aspectos da própria vida. Agora, isso não vale para todas as pessoas: há artistas que, ao contrário de mim, são amarradões num único estilo. Não dá para medir a capacidade artística de alguém pela régua da variedade de repertório.

Quando você percebeu que a Luiza tinha aptidão para a música? Eu percebi a aptidão da Luiza para a música quando ela era bem pequena. Eu sempre percebi que ela é uma menina muito artística: ela escreve muito bem, ela é uma ótima atriz de comédia... você não imagina o quanto essa menina é engraçada! É impressionante!

Por exemplo, quando ela fazia montagem de roupa (isso quando ela era bem pequena), às vezes ela falava assim pra mim: “Mamãe, você é uma cantora muito famosa! Você tem que botar uma roupa muito legal!”, e ela escolhia a roupa que eu tinha que usar. Por isso mesmo, eu sempre dei muito espaço para que ela pudesse conhecer as aptidões dela. Ela é muito talentosa. Eu sabia que era uma questão de tempo para que ela descobrisse em qual área artística iria crescer e desenvolver o seu talento.

Quando ela estava com 12 anos, nós estávamos almoçando em casa, e eu coloquei um CD da Callas pra gente ouvir enquanto almoçava, e ela saiu cantando junto; eu percebi que ela tinha uma caixa vocal muito poderosa. Nossa, a Luizinha nunca desafinou, não desafina e tem poder. Foi aí que eu comecei a procurar algumas orientações na área de canto, porque eu nunca estudei canto, eu estudei música. Enfim, eu percebi que a parte musical “gritava” nela. Era só uma questão de tempo.

Como que é para você, hoje, ver a Luiza cantar? Eu vou te confessar um negócio: desde quando ela era pequenininha, eu fiquei atenta às preferências dela, e quando ela ia tomar banho, eu ficava do lado de fora do banheiro ouvindo ela cantar. Como eu não estava presente, ela “soltava a franga”, e era muito legal! Então, ver a Luiza cantar profissionalmente não é uma novidade pra mim. A novidade não está no canto dela, mas sim na minha cabeça, ao ver que a minha menina cresceu: o meu bebê cresceu e hoje é uma mulher linda, uma profissional muito séria e dedicada, de quem eu tenho muito orgulho.

No seu blog, você disse que a Luiza é representante das cantoras brasileiras que estão trilhando os caminhos de um mercado enfraquecido e de uma indústria machucada, muito afetada. Como você vê o trabalho do artista atualmente? Honestamente, eu não vejo. É sério. Nós estamos passando por uma modificação tão séria e tão importante. Repara: tá mudando tudo. Tá mudando o valor da autoria, a mídia de captação, porque até o advento da Internet, nós éramos CDs, e agora já fomos MP3, somos MP4, MP5 então os valores estão mudando. Essas mudanças acontecem no meio de um monte de coisas: ninguém vai parar de ser cantor, parar de fazer música esperando essas mudanças terminarem. Tudo vai acontecendo ao mesmo tempo. Então, esse é um momento muito difícil pro artista e pro compositor. Cultura e entretenimento estão confundidos há muito tempo; a mídia se beneficia disso e manipula os mercados do jeito que bem entende. Tem muito animador de platéia sendo chamado de artista e vendendo muito, tem muita confusão nos conceitos e em tudo o que está sendo feito. Por isso que eu acho que esse é um momento muito delicado mesmo, porque não está mexendo somente com o mercado, mas também está mexendo com a gente, com aquilo o que a gente pensa e com o jeito que a gente se orienta na vida. As indústrias não estão colocando dinheiro naquilo que é incerto. Só que ninguém tem certeza de nada. Esse e um momento em que o conteúdo foi esvaziado e as coisas ficaram com formas loucas. É um momento muito difícil, mas nós não podemos desistir.

O que a Luiza representa pra você? A Luiza representa pra mim muita coisa: a minha projeção no futuro, ela a representa a minha plenitude, a minha realização como mulher, como mãe, como ser humano... Eu sempre achei que como mãe eu seria uma orientadora, e não é nada disso; eu descobri que ser mãe é ser anjo da guarda: é estar o tempo inteiro na retaguarda, segurando e projetando, mas acima de tudo, garantindo a liberdade de ir e vir e experimentar a vida. A Luiza é o passaporte pro melhor de mim.

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