domingo, 14 de fevereiro de 2010

ROBERTO MENESCAL (julho/2008)

Você define a Bossa Nova como um gênero ou um movimento? Eu acho que é tudo! Nós não tínhamos noção de que estávamos fazendo algo que seria tão duradouro e que iria transformar tanto a música brasileira. Nós estávamos apenas tentando fazer uma música que tivesse mais a ver com a nossa geração (todos tínhamos entre 18 e 20 anos de idade e a música que estava no Brasil naquela época era uma música com assuntos muito pesados para a nossa geração) mas ela acabou modificando bastante o cenário e os costumes da época. Quer dizer, a palavra Bossa Nova passou a definir um comportamento (“Basta o jeitinho dela andar”, sabe?). Então é isso: ela foi um movimento, uma música que nasceu de forma simples e que modificou comportamentos.

A Bossa Nova é uma mistura de gêneros musicais? A Bossa Nova é uma mistura de coisas que a gente ouvia, principalmente o samba-canção que se fazia nos anos anteriores à Bossa Nova, que já era um samba-canção mais moderno em termos de harmonia e melodia; o jazz, porque o jazz era uma música jovem na época, feita por músicos norte-americanos bem jovens e que trazia com a música uma nova atitude perante a vida: o modo de se vestir, o modo de agir; o samba, mas a gente não sabia tocar o samba direito então começamos a fazer a Bossa Nova que era quase um novo samba; o bolero, porque nós ouvíamos e dançávamos muito bolero!

Por que ainda hoje – após 50 anos – a Bossa Nova desperta tanto o interesse das pessoas? Nós não sabemos exatamente o por quê, mas temos alguns dados que podem ser observados. A Bossa Nova foi a primeira música brasileira com um sabor universal, porque como ela foi baseada também no jazz e no bolero, ela tem um cunho de influências vindas de fora. Então, por causa disso, ela já tinha um sabor um pouco internacional. Botando um pouco do ritmo brasileiro, ficou uma coisa brasileira, mas ao mesmo tempo com esse sabor internacional. Depois, ela entrou no mundo inteiro, o que fez com que ela tivesse chances de durar muito mais.

O que você acha que colaborou, na época, para que o trabalho de vocês agradasse ao público? Eu acho que a gente deu principalmente pro Universitário uma música brasileira que tinha a ver com ele. Imagina só você com 20 anos, cantando “Se eu morresse amanhã de manhã, minha falta ninguém sentiria...”. Não dava pra um cara novo, que está na Universidade, cheio de esperança, de vontade e de vida, cantar isso aí. Então, a gente deu pra ele a possibilidade de cantar uma música mais leve e que tinha mais a ver com a vida que ele estava descobrindo. Nós fomos as primeiras gerações a usar a praia em todo o seu esplendor: a gente surfava, jogava vôlei, futebol, namorava... A praia era o nosso clube, então não dava para estar na praia e cantar aquelas músicas pesadas.

Qual a diferença que você vê no Rio de antigamente para o Rio de agora? O Rio era uma cidade muito mais bonita. Não que as coisas tenham mudado de lugar: o Pão-de-Açúcar continua lá, o Corcovado também, mas, você quase não os vê mais. Os prédios tomaram conta de tudo. Em São Paulo, por exemplo, é difícil você perguntar para alguém onde fica uma determinada rua, porque a pessoa te responde “Ah, rapaz, você segue aqui, pega o contorno ali...” e você começa a relação de nomes de ruas... é difícil explicar. Em São Paulo cada um tem um caminho. Por outro lado, no Rio você falava assim: “É à direita do Corcovado”, e só tinha esse caminho. Então, para tudo você se baseava na própria paisagem do Rio, e você não tinha esse perigo que você tem hoje nas grandes cidades. Nós saíamos da casa da Nara às quatro horas da manhã e íamos para a praia tocar. Hoje você não faz isso. Então, hoje o Rio é uma cidade na qual você tem que olhar para trás quando estiver andando, e naquela época você só olhava pra frente. Eu não gosto de viver do passado; passado é passado e acabou, mas você não pode esquecer que essas coisas mudaram.

Você poderia falar um pouco sobre as reuniões na casa da Nara Leão? Nara era uma pessoa muito interessante, porque era uma menina muito jovem, mas muito à frente da sua época, da sua turma. Ela era uma pessoa muito culta, de cabeça muito aberta, que tinha um apartamento maravilhoso na Avenida Atlântica, cujos pais eram muito liberais e preferiam que as pessoas viessem para dentro da casa dela a ela ficar pela noite por aí. Então, isso ajudou que a sede do nosso clube fosse a casa da Nara. Claro que a gente ia pra vários lugares também, mas a base era a casa da Nara. Lembrando que até então, não tinha mulher tocando violão: tinha a Inezita Barroso, uma aqui e outra ali. Sabe, era raro; as meninas mesmo da classe média (principalmente classe média alta) não tocavam violão; elas tocavam acordeom, que era muito pesado! Então, elas começam a tocar violão e gostaram daquele instrumento que, por ser leve, podia ser levado a todos os lugares. Mesmo quem não levava jeito pro violão, queria aprender aquela batidinha da Bossa Nova. Então, isso foi uma maravilha que espalhou, a Nara ficou sendo esse protótipo da menina jovem de classe média – mais pra alta – que mora em Copacabana e que sai com o seu violão debaixo do braço. Imagina, mudou tudo! É o que eu te falo, a Bossa Nova propôs uma nova posição perante a vida que até então não existia.

Quando falamos em Bossa Nova, vemos que as letras são muito bonitas, as melodias são muito sofisticadas e parece que tudo é elaborado com muito cuidado. Pode ser que a resultante seja elaborada, mas tudo era tão natural, que ninguém elaborava música nenhuma! Elas iam saindo de uma maneira incrível! Sabe que, como o Paulo Coelho sempre diz, o Universo todo conspirou para que aquilo acontecesse naquele momento. Então, nós fazíamos música de uma maneira tão simples que até ficávamos envergonhados! Quantas vezes cantores pediram para que eu fizesse uma música e eu dizia “eu faço, mas preciso de uns dez dias”. Aí eu fazia no mesmo dia e guardava na gaveta, pra não parecer que era tão fácil assim! Era tão natural! foi um momento do mundo que nos deu aquela chance de fazer as coisas com uma naturalidade que talvez não exista mais hoje.

Você poderia contar algum caso da Bossa Nova que tenha sido importante na sua vida? Na verdade, a gente se encontrava tanto! Hoje as pessoas se falam pela Internet, mas nós nos víamos todos os dias, então cada um trazia uma novidade: um acorde novo, uma música nova, uma letra nova ou um caso novo. Então, era muito engraçada a vida da gente!

Mas, um caso que me marcou muito foi o meu encontro com Tom Jobim. Eu ouvia na rádio as músicas que o Jobim estava fazendo com os seus parceiros – primeiramente o Newton Mendonça, depois Vinícius de Moraes – e ficava vidrado naquele que era o meu grande mestre, como é até hoje. Eu queria muito conhecê-lo, então ia aos lugares em que poderia ir mas nunca o encontrava. Às vezes eu saia desses lugares já de porre, de tão nervoso por não ter encontrado o Tom! Aí me levavam embora e depois eu ficava sabendo que um pouco depois de eu ter ido embora, o ele havia chegado! Naquela época, eu e Carlinhos Lyra dávamos aula de violão em um apartamento, e um dia, no final da tarde – enquanto eu estava dando aula de violão para uma menina (com a mãe dela vigiando ao lado, é claro!) – bateram à minha porta e era o Jobim! Eu não acreditei que aquele cara estava na minha frente! Ele me perguntou se eu era o Menescal, e falou:

– Vim te buscar aqui para saber se você pode gravar comigo um negócio pro filme do Orfeu da Conceição

– Mas é claro que eu posso!

– Mas você não está ocupado aí dando aula?

– Eu dou um jeito.

Bom, eu quase que expulsei a menina, pois não podia perder aquela chance, e saí com ele! Quando a gravação terminou, o Tom disse que tínhamos que acertar o meu cachê, mas eu não quis receber. Imagine, seria um pecado receber! Aí, como eu não aceitei receber cachê, ele me convidou para jantar e fomos a um restaurante ali em Copacabana e, no dia seguinte, eu me tornei músico! Até então, eu tocava, mas pensava em ser arquiteto, em tentar entrar para Marinha ou fazer qualquer outra coisa que me desse uma garantia. Mas, conversando com ele durante o jantar ele me disse:

– Mas cara, você não quer ser músico?

– Quero.

– Então larga tudo e vai estudar música!

Ser músico era o que eu mais queria, mas até então eu estava inseguro. Então esse foi um caso que me marcou muito, porque esse encontro foi vital pra mim, porque mudou toda a minha vida!

O que levou você a estudar música? Na verdade eu acho que a música me escolheu. É diferente. Eu não sabia que tinha jeito para a música; o que aconteceu foi que quando eu tinha 11 anos de idade, o meu pai um dia deu para mim e para o meu irmão, uma gaitinha de plástico – dessas bem ruinzinhas que você usa em chaveiro – e de noite quando ele chegou do trabalho, eu estava tocando uma música, enquanto que o meu irmão não estava tocando nada! O meu pai me perguntou quem havia me ensinado a tocar, e eu disse que ninguém havia me ensinado, mas que eu queria tocar e consegui. Então, ali ele percebeu que eu tinha jeito para a música e o meu irmão não. Ele me colocou na aula de piano, mas não segui, porque quem me ensinava era uma tia, e ela era muito rígida: toda vez que eu tocava uma nota a mais, ela batia no meu dedo. Eu gostava de Chopin e tal, mas eu sempre tocava umas notas a mais e ela dava uma varetada no meu dedo, aí eu não quis mais levar varetadas e acabei largando o piano. Depois disso, toquei um pouquinho de acordeom, porque era um instrumento que eu poderia levar para outros lugares, até que aos 17 anos eu descobri o violão. Foi paixão eterna!

Fale um pouquinho sobre o trabalho que você faz atualmente. Outro dia um amigo me perguntou um negócio muito interessante: “Roberto, afinal o que você é na música?”, eu respondi “Ih, rapaz, sabe que eu nunca pensei nisso?”, porque eu não sou o compositor, o instrumentista, o produtor, o artista e assim por diante. Mas, eu sou um pouco de tudo. Não me dediquei a nada intensamente, mas me dediquei a várias áreas da música. Isso me deu muitas possibilidades na vida, mais até do que se eu fosse, de repente, um instrumentista e tocasse guitarra como Victor Biglione, Baden Powell, esses caras. Não, eu não sou nada disso e não vou ser nunca. Mas, eu faço algumas coisas que eles não fazem: eu produzo discos, faço arranjos, e assim por diante. Então, eu acho que sem querer, eu me fiz como um cara que está dentro da roda da música. Eu sou um pouco de tudo! Não sou nada inteiro mas sou um pouco de tudo!

Um comentário:

  1. Oi Bruna.
    Depois dessa entrevista, fiquei desesperado para ler seu novo livro.
    Contagem regressiva...

    Abçs

    Tonon

    ResponderExcluir